Nos anos 70, quando era professor da universidade de Stanford, na Califórnia, Vinton Cerf conduziu as pesquisas que levaram à criação do protocolo IP, base de toda a internet. Desde 2005, Cerf é vice-presidente e evangelista chefe do Google. Mas seus projetos já não se restringem às conexões terrestres. Junto com uma equipe do Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa (JPL), ele desenvolve o que deverá ser a internet interplanetária, ou InterPla-Net, um conjunto de padrões para a comunicação entre espaçonaves. Nesta entrevista à INFO, Cerf, hoje com 66 anos, fala sobre a importância desse projeto.

INFO – A InterPlaNet é uma web espacial?
CERF – Vai ser um backbone interplanetário. Enquanto a internet terrestre conecta várias redes entre si, a InterPlaNet vai interligar locais desconectados. A web, por sua vez, é uma aplicação que roda sobre a internet terrestre. Essa aplicação teria de mudar consideravelmente para funcionar numa rede de dimensões interplanetárias. Mas podemos imaginar webs operando localmente em cada planeta e em cada espaçonave.

INFO – Aonde vocês querem chegar?
CERF – O projeto começou no JPL em 1998 e se expandiu para incluir outros laboratórios da Nasa e também colegas de outros países. A meta é estabelecer padrões de comunicação que todos os países com atividades espaciais possam adotar. Assim, as espaçonaves poderão se comunicar de forma padronizada independentemente do país em que foram fabricadas. Os padrões que estamos criando vão atender a requisitos da exploração espacial tripulada e robótica. Também vão permitir que equipamentos já lançados ao espaço sejam reequipados para atender a novas necessidades.

INFO – Isso exige novos protocolos?
CERF – O protocolo TCP/IP funciona bem em ambientes bem conectados, com pouco atraso na transmissão de dados. Mas a comunicação no espaço sideral sofre atrasos por estar limitada à velocidade da luz. Além disso, tem taxas de erro elevadas e envolve conexões intermitentes e unidirecionais. Isso torna o uso do TCP/IP inviável. Os protocolos interplanetários são projetados para o que chamamos de redes tolerantes a atrasos e interrupções (DTN, na sigla em inglês). Esses atrasos e interrupções que ocorrem no espaço quebrariam o TCP/IP.

INFO – O que vai mudar na comunicação entre espaçonaves com o uso da InterPlaNet?
CERF – As conexões da Deep Space Network (rede espacial em uso atualmente) e da rede montada para a exploração robótica de Marte são controladas manualmente. A InterPlaNet vai operar de forma bastante mais automática. A conexão Terra-Marte será, provavelmente, o primeiro segmento do futuro backbone interplanetário.

INFO – Quando a rede começa a funcionar?
CERF – Estamos fazendo testes na espaçonave Deep Impact (agora chamada de Epoxi), na Estação Espacial Internacional e em instalações terrestres. Pretendemos estender esses testes a satélites e ter os protocolos a bordo de missões que irão a Marte e a outros planetas entre 2011 e 2030. Esperamos que o backbone cresça com o tempo, à medida que sejam lançadas novas missões que empreguem esses padrões.

INFO – Esse trabalho trará algum benefício às comunicações terrestres?

CERF – Sim. Estamos trabalhando na definição da arquitetura e dos protocolos para permitir a interoperação da internet terrestre com redes em outros planetas e espaçonaves em trânsito.

INFO – Qual é o objetivo da parceria do Google com o Centro de Pesquisas Ames, da Nasa?
CERF – Temos um acordo com a Nasa para colaborar na organização e no gerenciamento da vasta quantidade de informações que flui das missões científicas patrocinadas pela agência espacial. Esses dados provêm de telescópios, sensores em espaçonaves, robôs de superfície — como os dois que estão operando em Marte — e muitas outras fontes.

INFO – Como será a internet daqui a cinco anos?
CERF – Ela provavelmente vai atingir 50% a 70% do planeta. Muitos dos internautas terão acesso a ela por meio de dispositivos móveis. Além disso, veremos, conectados à internet, redes de sensores e uma variedade de aparelhos em casa, no escritório e nos veículos. A internet será parte da evolução de uma rede elétrica inteligente. Vai conduzir o fluxo de informações necessário para tornar mais eficiente o uso da energia. E estou certo de que vai haver aplicações que vão nos surpreender. Haverá, por exemplo, maneiras muito inovadoras de lidar com vídeo em ambientes de comutação rápida de pacotes. Espero, ainda, que tenhamos muitas aplicações baseadas em reconhecimento de voz, incluindo tradução automática e simultânea, tanto de texto como de fala.